Crise no mercado de aparas de papel marrom segue com panorama desafiador para fabricantes j5l3i
Os aumentos consecutivos, queda na qualidade do material e desequilíbrio entre oferta e demanda seguem impactando o segmento de papéis reciclados 4945b

A crise no mercado de aparas de papel marrom segue impactando o setor de forma expressiva. As altas históricas afetam os compradores de aparas, que enfrentam o desafio de manter a saúde financeira de seus negócios com margens mais apertadas devido ao custo de produção mais alto com a matéria-prima reciclada. i592m
Nesse sentido, um dos principais índices para análise de papel marrom reciclado no setor é a Anguti Estatística, que demonstra a média dos preços FOB SP, sem impostos. Segundo Pedro Vilas Boas, diretor da Anguti, o mercado “continuou estressado” em março, com preços em ascensão. “Na verdade, observamos dois movimentos de alta distintos e, com dois aumentos reados em um único mês, os preços informados que representam a média de março, não espelham o valor atualmente praticado que já é superior, deixando contratado um reajuste para abril”, revelou Vilas Boas.
Conforme o diretor, o mês de março foi encerrado com as aparas de papelão I e II comercializadas por R$1.292,47 e R$1.146,74 a tonelada fob depósito com reajustes de 4,7% e 4,6% em relação a fevereiro, respectivamente. “No primeiro trimestre do ano, o crescimento do valor das aparas de papelão ondulado I e II já é superior a 11%, com os preços de março próximos de 90% acima dos praticados neste mesmo mês de 2024”, indicou. Segundo o executivo, o panorama de abril ainda é de preços continuarem em alta.
Segundo João Paulo Sanfins, vice-presidente da ANAP (Associação Nacional dos Aparistas de Papel) e sócio-diretor do Grupo CRB (Comércio de Resíduos Bandeirantes), considerando os últimos 12 meses, o aumento linear médio foi de R$ 50/ton a cada mês, embora o primeiro trimestre de 2025 tenha sido mais significativo.
Para Manuel Alcalá, CEO da Smurfit Westrock (SW) no Brasil, o início do ano foi atípico, com uma demanda maior que o normal para o período, o que elevou os custos de aquisição da matéria-prima. “Observamos uma pressão constante nos preços, principalmente em virtude do aumento da demanda por aparas e pela oferta limitada”, ressaltou o executivo.
DESAFIOS PARA OS FABRICANTES DE PAPÉIS RECICLADOS
Diante desse cenário, os fabricantes que utilizam aparas em seu processo produtivo enfrentam uma gama de desafios que ameaça alavancar os custos de produção, reduzindo margens e afetando a saúde dos negócios.
O CEO da Smurfit Westrock reforçou ainda que embora a questão das aparas seja de grande relevância, outros fatores também impactam o equilíbrio financeiro da indústria. “Custos de energia, insumos importados, transporte e mão de obra são variáveis importantes que contribuem para o cenário desafiador”, comentou.
Nesse sentido, a escassez de matéria-prima, como as aparas, tende a gerar impactos ao longo de toda a cadeia produtiva, exigindo ajustes nas operações e na gestão de custos. “Essa dinâmica reforça a importância de práticas de eficiência, inovação e parceria entre os elos da cadeia para manter o equilíbrio e a competitividade dos produtos no mercado”, salientou Alcalá.
De acordo com Thiago Karam Westphalen, diretor-presidente da INCAPE, especialista em papel cartão maculatura, alguns dos principais desafios na obtenção de aparas incluem a redução na qualidade das aparas, o desequilíbrio entre a oferta e demanda, aumento nas exportações – que ocasionam a saída do material da cadeia circular de reciclagem.
“A redução na qualidade das aparas ocasionou uma perda de processo na casa de 30%, gerando aumento no consumo de químicos”, explica o diretor-presidente, o que apresenta custos adicionais ao processo produtivo, que também sofrem com o aumento do dólar. “Com a alta demanda – gerada pelo aumento da capacidade produtiva dos grandes fabricantes de papel reciclado do país – e uma oferta reduzida, devido às exportações, o desequilíbrio e a escassez de material se tornam um problema significativo”, aponta Thiago.
DESAFIOS NA COLETA
O equilíbrio na oferta de papel reciclado no setor é sustentado principalmente pela coleta do material, gerando a circularidade da cadeia. Conforme o vice-presidente da ANAP, os principais desafios incluem os custos na aquisição dos ativos logísticos (caminhão, implemento, caçamba, etc.) e custos variáveis (óleos de lubrificação e combustível) que oscilaram demais durante todo o período da pandemia, pós pandemia, e agora com guerras, aumentando a dificuldade no ree desses custos no preço dos serviços e dos resíduos.
“Na comercialização, os desafios são os atravessadores que se beneficiam do regime especial de ICMS em alguns estados, em que recolhem uma alíquota menor (por exemplo, 2%) do que é destacado em nota fiscal (por exemplo, 12%), e combinam esta prática com a venda na modalidade preço CIF, em que simulam uma venda com origem nestes estados que possuem regime especial de ICMS, e entregam os resíduos diretamente na indústria transformadora, mas na realidade esses produtos são expedidos de localidades diferentes do endereço do emissor da nota fiscal”, explica João Paulo Sanfins.
De acordo com o executivo, para os aparistas, os aumentos são baseados no aumento da demanda por embalagens oriundas de papéis – influenciado pelo movimento ESG –; baixa oferta por conta de estoque reduzido dos aparistas, gerenciadores e cooperativas, ree dos custos logísticos (caminhão, implemento, caçamba, combustível e manutenção) e de produção das aparas (prensas, trituradores, separadores automatizados, arame, fitilho, energia e mão de obra).
João Paulo observa ainda que cenário de desequilíbrio entre oferta e demanda afeta a competitividade pelas fontes geradores de aparas, “principalmente as fontes pós-consumo, onde os atravessadores atuam significativamente”.
MACROECONOMIA GLOBAL TAMBÉM IMPACTA O SETOR DE PAPEL RECICLADO BRASILEIRO
A macroeconomia global também colabora para a “tempestade perfeita” no segmento. A guerra tarifária entre os Estados e a China pode gerar consequências no mercado brasileiro, tendo em vista que as tarifas estão atreladas ao mercado asiático, que é o principal parceiro comercial do Brasil no setor de papel e celulose, e maior produtor de papel reciclado do mundo, conforme avaliação de Thiago Karam Westphalen.
Dessa forma, para o diretor-presidente da INCAPE, com a degradação da matéria-prima e perdas no processo, além de mais custos com aumento no uso de químicos e aumentos semanais nos preços das aparas, o cenário é preocupante. Para ele, a regulamentação de importação é essencial para a recuperação do setor. “O mercado de aparas é regulado pela oferta e demanda interna, para vários mercadores e setores de aplicação. Portanto, a regulação da importação é fundamental”, conclui.
Já João Paulo Sanfins indica que as tarifas impostas pelo presidente estadunidense Donald Trump “podem gerar um momento de redução nas exportações de produtos brasileiros para os EUA, e, com isso, uma redução na demanda por embalagens onduladas, equalizando a oferta e demanda por aparas nos próximos meses”.
“Além disso, podemos observar que o período de chuvas se encerra na transição de março para abril no estado de São Paulo, principal gerador de aparas, o que também contribui para essa equalização, por aumentar o volume de coleta”, complementa o VP da ANAP.
Para o CEO da SW, o enfrentamento desse panorama abrange parcerias estratégicas, gestão eficiente da cadeia de suprimentos e dos processos, além da adoção de práticas sustentáveis como a logística reversa.
“A tendência de economia circular e a crescente conscientização das grandes marcas e consumidores sobre a sustentabilidade devem impulsionar o uso de materiais reciclados e reduzir o envio de resíduos para aterros. O futuro do mercado dependerá muito da evolução da oferta e da demanda, além do fortalecimento de políticas públicas de incentivo à reciclagem e à economia circular. Estamos confiantes de que a indústria continuará se adaptando e investindo em inovação para apoiar a sustentabilidade do setor”, estima o executivo.